Marcelo Costa
Grupo Ossanha - Teatro Documentário
Rádio Mr. John Waters
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
segunda-feira, 31 de maio de 2010
O lago
Certa vez eu li que a saudade embeleza as coisas. A parte que me cabe nos escrito de Edgar Allan Poe, fala de um Lago na primavera da juventude, onde a solidão era tão linda, e o Lago selvagem e rodeado de altas árvores. O meu espírito infantil desperta lá, na sombra das árvores e na inconstância da água do Lago.
Um sentimento indefinido, um Éden daquele sombrio estado.
Giselle Bianca
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Uma das Tartauras Ninjas.
Por Giselle Bianca
Chega disso Sr. C, é assim que é. É assim que as coisas são.
Acaba! Ele não terá coragem de voltar. Acaba tudo!
(você grita, você chora, você ri, você briga comigo...)
Não telefona! Não estrague sua reputação, menino!
Você precisa aceitar o tempo. Cai o pano.
Não caia no palco. Calma!
Escorre e seca.
Chega disso Sr. C, é assim que é. É assim que as coisas são.
Acaba! Ele não terá coragem de voltar. Acaba tudo!
(você grita, você chora, você ri, você briga comigo...)
Não telefona! Não estrague sua reputação, menino!
Você precisa aceitar o tempo. Cai o pano.
Não caia no palco. Calma!
Escorre e seca.
Hommage ao Sr. Costa - Por Giselle Bianca
Quero ver a ventania, Sr Costa.
“A árvore desvairada”, Sr Costa.
Sua carne gira agora, feito vento, em torno da boneca de cabelo amarelo.
Possuída que estou pelo seu segredo de Sr. Costa.
O prazer de estar com você, torna a vida sincera.
Lindo “rapaz inventado” você chegou até aqui, em outros lugares.
Você instaurou novos territórios.
“A árvore desvairada”, Sr Costa.
Sua carne gira agora, feito vento, em torno da boneca de cabelo amarelo.
Possuída que estou pelo seu segredo de Sr. Costa.
O prazer de estar com você, torna a vida sincera.
Lindo “rapaz inventado” você chegou até aqui, em outros lugares.
Você instaurou novos territórios.
Hematomas de Giselle Bianca
Hematoma I
Escuto o chiar dos bichos no quarto e sinto medo,
Crio monstros literários dentro do armário.
Os monstros querem roubar o meu tesouro.
Contorço na cama, simulo gritos, mordidas, arranhões,
Socos, pontapé, solavancos...
Grito sozinha no silêncio e acordo machucada por mim.
Hematoma II
Acabo de encontrar
um veado na sarjeta.
Um artista de raça.
É possível criar assim?
Só um criador pode mulher assim.
Um útero de via láctea
Só um artista de verdade é capaz de viver em crise.
Em constante dilaceramento para sempre renscer.
Sim, acabo de encontrar um homem na sarjeta.
Só consigo acreditar no ser que é capaz de cair de cara na lama.
Hematona III
Cai de cara na pedra, e me deram vinagre para lavar.
Hematoma IV
Certa vez ele disse.
Assim me calei.
Consolaram-me.
Lagrimejei.
Ele gritou.
Eu esmoreci.
Ele calou.
Eu sofri.
Ele se foi.
Eu fiquei.
Hematoma V
Venha cá. Abra a boca! Abra a boca! (socos)
Aprenda a apreciar sua comida. (mais alguns socos)
Este é um jantar cinco estrelas.
Hematoma VI
Você vai ver, vou contar seu segredinho. Vou contar, ah se vou.
Vou estragar sua reputação. Ficará sem trabalho, sem amigos, sem família e sem amor.
Acabará pobre, feio, mofino... (risadas)
Seu nome na boca do sapo.
Hematoma VII
SPOILED.
Hematoma VIII
Vou caminhar no princípio do prazer, Sr. Costa. Não no princípio da realidade.
Hematoma IX
Temos a obrigação de saber até onde se deve morrer dentro de si mesmo.
Hematoma X
Os dias tornam-se longos,
minha vidraça acumula pó.
O jornal intacto está em pilhas pela sala.
Faço aviãozinhos de papel jornal
com a esperança de um buscar-te para mim.
As palavras do papel frágil
misturam-se pelo ar
à procura de pouso.
O CAOS JÁ FOI ESTABELECIDO E SOLIDIFICADO DENTRO DE MIM.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
Desenhando a cena
Desenhos de Marcelo Costa e Giselle Bianca para os espetáculos do Grupo Ossanha.
Trabalhos: "Equus", "O olho da rua" e "Perdoando Deus" de Clarice Lispector
sábado, 1 de maio de 2010
Viridiana - Luis Buñuel - Ano 1961 - Produzido na Espanha
Grande filme. Cannes na Viridiana.
Luis Buñuel faz uma paródia formidável do quadro de De Vinci e cria a sua SANTA CEIA DOS MENDIGOS. Um "chute no estômago" ao modo de viver em sociedade com base aos princípios da religião católica.
Curiosidade: Dividiu o Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1961 com o filme "Uma tão longa ausência" de Henri Colpi.
Sobre o Olho - Grupo Ossanha - Angu dez anos
NO OLHO DA RUA
"O pacote chegou ontem. O Olho da Rua. Ã minha porta. Abri o envelope. Bem que eles disseram que mandariam. Tudo sobre o espetáculo que fizeram em Ouro Preto, Minas. O Grupo Ossanha. Tamanha curiosidade. Ave! Botei para rodar o DVD. Puta que pariu! Alguns de meus contos lá. Impactantes. Digo assim: os atores. Marginais de macacões. Torturadores. Cristo meu! Tipo um filme de suspense. Eletrizante. Explico: quinze pessoas apenas assistem à encenação. Sete delas vão de van. São "sequestradas". Viajam 7 quilômetros até uma fábrica abandonada. Lá, entram em obscuros corredores. Ouvem, vendados, monólogos gritantes. Já vi várias inesquecíveis interpretações, por exemplo, para o meu conto Muribeca. Mas essa dá febre. Há sons de máquinas trituradoras. Porra! E os atores? Quão assustadores! Repito: fiquei com medo de mim mesmo. Lírica diabólica. Exconjuro! O grupo criou o Teatro Documentário. Chama-se assim a experiência. Que pretende tomar outros cantos do Brasil. De assalto. Ave nossa! E aí veio ã minha mente, agora. Do tempo em que eu quis ser ator. Aos nove anos, ainda no Recife. Sim, muito pequeno. Comecei escrevendo para teatro. A professora era Ilza Cavalcanti, que resgatou tanta gente da periferia. Para a vida artística. Foi ela idem quem primeiro me olhou. Arrastou-me pela mão. Grande mestre! E aí fiquei sempre com esse sonho. Pendurado. De subir aos palcos. Quando escrevo, subo aos palcos. Falo em voz alta a minha fala. Penso em luzes sobre as cabeças, acesas de meus personagens. Que emoção! Que beleza! Digo para mim mesmo: agradeça. Tantos atores maravilhosos que, por aí afora, têm entendido este meu lado dramático. Nervoso. Vexaminoso. Listaria, sem demora, talentos infinitos. Que têm me presenteado com isto. O além-livro. Que têm dado grito aos meus escritos. Em temporadas gloriosas. Salve, salve. Saravá, amém! Um beijo no coração de cada um desses artistas. Estou aqui, ainda, tomado de susto, amigos. Juro. Fiquem ligados neste grupo. Ossanha nas alturas. Essa peça ainda vai dar muito o que falar. É espantosa a direção de Marcelo Costa. O conjunto da obra. Cínica e cênica. Feita de olho na rua, pois é. É de lá que também procuro forças. Para a minha literatura. E mais não digO. E valeu e fui e beijos esquizofrênicos no umbigO. E té."
Por Marcelino Freire - Blog: eraOdito
O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante - Direção de Peter Greenaway - Ano 1989 - França/Holanda/Reino Unido
Fantástico!!!
Peter Greenaway não constrói apenas um filme, mas uma pintura em movimento. Ele sabe dar a expressividade necessária a composição do plano. É bom saber que cinema não é apenas contar uma boa história, cinema assim como a arte do teatro é a preocupação com o todo. Quer contar apenas boas histórias? Seja um escritor não um cineasta.
Peter Greenaway não constrói apenas um filme, mas uma pintura em movimento. Ele sabe dar a expressividade necessária a composição do plano. É bom saber que cinema não é apenas contar uma boa história, cinema assim como a arte do teatro é a preocupação com o todo. Quer contar apenas boas histórias? Seja um escritor não um cineasta.
O filme é de 1989, e a história lembra bem uma clássica tragédia grega, o cenário e os figurinos lembram o estilo barroco e a atriz Helen Mirren (a mesma atriz que fez a personagem da Rainha Elizabeth no The Queen ano 2006) dá uma aula de boa interpretação que chega a doer o estômago. Cuidado com a úlcera!
A música de Michael Nyman também comunga com o filme e fica na lembrança para sempre.
p.s Após ver o filme vá ao açougue mais próximo.
Brilhante banquete visual e sonoro!!!
O genêro do filme é COMÉDIA DRAMÁTICA
A música de Michael Nyman também comunga com o filme e fica na lembrança para sempre.
p.s Após ver o filme vá ao açougue mais próximo.
Brilhante banquete visual e sonoro!!!
O genêro do filme é COMÉDIA DRAMÁTICA
País: Holanda/Reino Unido/França
LIMITE -Mário Peixoto - 1930 - Brasil
É o primeiro e único filme do cineasta Mário peixoto, filmado em 1930. O tema principal do filme é o Tempo. Está na lista dos melhores filmes de ARTE do mundo. O filme virou um mito, pois desapareceu por um grande tempo, poucas pessoas o viram. Foi nos anos 70 que recuperaram uma lata e hoje pode ser visto (embora difícil de achar).
De fato é um filme, cuja primeira reação é de estranhamento, um filme lento, mudo e por motivo do tempo mal conservado. É o grande filme brasileiro, conhecido mais no exterior que pela gente.
Curiosidade: No filme "Abril Despedaçado" de Walter Salles, o diretor faz uma referência ao filme. Estranho mas é verdade.
sexta-feira, 30 de abril de 2010
Léolo - filme de Jean-Claude Lauzón - Canadense - Duração 107 min
Trabalho exemplar de Jean-Claude Lauzón que aborda as fases do desenvolvimento da criança (fase oral, anal, genital e da latência e seu complexo de Édipo). Atuações brilhantes e música de beleza singular de Loreena Mckennitt e de Tom Waits.
Brilhante, delicado e polêmico.
Vale muito ver!
Cinzas e Neve - Filme documentário de Gregory Colbert - 63 min
É de impressionar o acasso das cenas. O documentário traz uma fantástica composição dos planos resultando em uma estética incrível. Vale lembrar que esse produto é resultado de anos de trabalho em diversas viagens do fotógrafo Gregory Colbert.
O tom terra das imagens dão a expressividade necessária e a profundidade de campo é perfeita.
O filme é lento, e chega a lembrar movimentos do balé.
Faz sentir em um outro mundo.
Vendo o trabalho de Colbert, recordo-me de "Hommage à noir" do diretor Ralf Schmerberg, ambos são brilhantes na composição dos planos e mostram que a pobreza, esteticamente falando, é linda!!!.
Cinzas e Neve não é um filme. É um sonho. Uma respiração bem realizada.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
O caso da Galinha Moucha
por Marcelo Costa
Grupo Ossanha
Gênero: Humor negro – ou tempestade em copo d’água – Estilo dolorido, sofrido, patético.
"Há três noites que eu não durmo,oh lá lá.
Pois perdi o meu galinho, oh lá lá.
Pobrezinho oh lá lá.
Coitadinho, oh lá lá .
Eu perdi lá no sertão".
...Da janela do meu quarto ouvi o lamento da galinha Moucha. Seu cacarejo suplicava por ajuda. A ajuda era precisa e urgente. Sua vida de galinha estava por um fio.
- Misericórdia, moço – da janela do meu quarto ouvi.
Apenas. Ouvi.
Poderia eu descer as escadas, atravessar a rua, pedir, dois pontos e travessão.
Trégua.
Seria tarde. Tarde demais. Correr seria uma dificuldade extraordinária, mas aquilo que paralisava eram os escrúpulos da má vontade, que manifestavam por uma insaciabilidade. Senti meu coração bater de terror e desejo enigmático.
Seja como for, seja rápido. Tenha piedade.
Pobre da galinha Moucha. Seus filhos órfãos, e o pai a olhar preso no viveiro junto aos gansos. Seguram o ar em estado de tensão. Juntos. Nem um pio!
A galinha debatia-se sobre a mesa velha da casa, sua força é vã. Suas penas desvairadas abriam em leque. Com os rodopios da galinha Moucha, o galo quis cantar de galo e levou um tabefe da velha que esperava. Abaixou a crista.
Misericórdia, moço!
O que pode ela contra o homem?
Contra a Mão sem dó?
Seus olhos de galinha giram em devaneio, parada do fluxo de ar. Uma pausa para a reza.
Seja como for, seja rápido. Tenha piedade! Tadinha, moço!
Peça para o menino entrar, a galinha pode demorar em seu martírio. O dó dos olhos estraga. Dá nó. Disse aquela boca que equilibrava o pito com tamanha maestria.
A galinha pisca os olhos, seu bico de galinha prensado sobre a mesa velha. Não olha!
Ela desistiu de cacarejar. Juntou as asinhas junto ao peito cheio, abraçou-se para não se sentir só.
Fez força tensão. Pausa. Suada. Coraçãozinho acelerado.
Seus pés de galinha lembraram-se do terreiro, ciscou sobre a mesa.
- Destino miserável, abandono de vida, ao tempo entrega a sua vida. Mole, patife, canalha que captura o destino dos outros, sem dó.
SEJA RÁPIDO, SEJA COMO FOR, ANDA! Que não espere o pôr do sol, não quero ver chegarem as estrelas.
Vai. Vai. VAI! Abandono este mundo merdinha, mundo moderno, morticínio, maléfico mundo. Mofino. Malogro. Metralhas. Morfético. Matadouro. Matuto. Miserável. Mediocre. Maldade maior. Mentiroso. Mormaço. MÃO em câmera lenta cria coragem. Gritei.
Criou. Coragem. Subiu como uma guilhotina. Não estudou rotas. Tensão de ambas as partes.
O homem de barba mal feita, de suor mau cheiroso pregueando em camisa de semana, de cabelos desgrenhados encardidos, de cara chupada e de olhos gozosos (os olhos da galinha padeciam).
Que rufem os tambores.
Mirou, obteve consciência de acertar o seu destino, objetivo que era claro. De repente, ao mesmo tempo surpreendente e natural, o seu destino estava em frente aos seus olhos.
Suada a mão chega ao ponto máximo.
Gira o fio da vida. Vida ligeira. Grito no silêncio. Much. Não posso mais parar. Solta a corda, baila pelo ar. O balé da mão assassina encontra pouso. Corta.
Rápido e sem susto. Sem barulho e sem caos. Morte limpa, como um tiro bem dado. Fura apenas ali. Preciso e limpo.
Sem mais tensão.
O suor escorre no rosto magro, uma gota do suor vai encontrar abrigo ao olho direito da galinha Moucha.
Na mesa adormece o pequeno e moribundo corpo, a mão ossuda e tremida vai enxugar o suor que escorre da testa. O prato esmaltado e encardido já corado de caldo da vida.
O galo canta. O sol se põe. As estrelas reaparecem. A canja já cheira daqui. Bucho cheio. Satisfeito. Fecho minha janela...
Marcelo Costa
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Qual é o preço do Resgate?
Por Cássia Maria F.Monteiro
Janeiro 2010
“Toda obra é uma viagem, um trajecto, mas que apenas percorre este ou aquele caminho
exterior em virtude dos caminhos e trajetos interiores que a compõem, que constituem sua
passagem e o seu conserto.” Deleuze
Natural do Rio de Janeiro e uma ousada flâneuse pelas ruas cariocas, comecei a trabalhar em Ouro Preto em agosto de 2009. Quando me encontrei na pacata e encantadora cidade em Minas Gerais, se instaurou em mim também a esperança de não ser mais assaltada. Entretanto, não havia imaginado que a abordagem dessa vez viria de outro lugar. Conscientemente chegaria de outro jeito, por meio de outro veículo, e o que
antes se instaurava através de uma verdade vivenciada no cotidiano, agora advinha da linha tênue que a arte trabalha. Esta verdade se fazia revelada por meio da atividade teatral. Quatro meses depois de minha chegada em Ouro Preto fui literalmente e figurativamente sequestrada pelo trabalho realizado pelo Grupo Ossanha, O Olho da Rua. De certa maneira, a proposição do seqüestro armado me deixou com a mesma sensação de nudez e asfixia dos assaltos comuns em minha cidade natal, aqueles que me davam vontade
de gritar: “Merda!, por quê?”, mas que só nos resta durante o ato a não reação para a garantia de sobrevivência. É interessante perceber que se na vida tentamos não resistir para continuar vivendo; ali, na encenação, muitas vezes tentamos não reagir para continuar fazendo parte do espetáculo. E quão dolorosa se dá esta não reação... As perguntas rondam em ambos os casos de violência: estou com medo ou estou fingindo que estou com medo? Estou contribuindo ou estou atrapalhando?
A tensão da passividade se dá na justa indefinição do lugar do expectador. Muitas vezes estamos sendo passivos se atuamos tal qual eles propõem e realmente ativos se resistimos às ordens que nos são confiadas. De certo modo, são algumas questões já traçadas por tantos teóricos da sociedade moderna, uma sociedade do espetáculo para citar Debord, e que neste espetáculo são potencializadas tanto em instâncias formais quanto conceituais.
Se a imagem visual é um nos pilares para a capacidade sensitiva no mundo contemporâneo, um mundo de registros digitalizados onde imagens são alteradas por programas de computador e superdimensionadas por telas em LCD, o trabalho desta gangue de “atuadores” parece estar na estreita contramão. Por ora, pode até se formar uma espécie de trocadilho com o título da encenação (O Olho da Rua) e durante a experiência, este mesmo “olho” provoca a fronteira entre o visto e não visto; este “olho” sente e faz sentir de maneira tátil, carnal, orgânica.
A clara referência aos espetáculos do grupo Vertigem lida, sobretudo, com a apropriação ambiental de forma que a experiência do lugar condiciona uma vivência particular no expectador, cheia de desníveis e cheiros vertiginosos. A dramaturgia desenvolvida e ordenada pelo diretor tem como base contos urbanos e, com uma densa atuação, assumem uma veracidade que provoca e angustia. A perda de orientação geográfica corrobora para uma sufocação que só tende a piorar na medida em que os contos escolhidos são narrados. Dois tipos de participantes são, então, convidados: os que são sequestrados e privados do direito
de ver e os que assistem como cúmplices da cena que se passa. Em ambos os casos os participantes atuam de forma intensa e constitutiva de toda a ação. Chamam-nos atenção, portanto, os aproveitamentos espaciais que o grupo escolhe para palco de suas ações. A angústia do não ver e não conhecer onde estamos, o transito entre o ponto de encontro e o local do espetáculo são todos trajetos que o espectador é condicionado a passar. Os guias do trânsito neste local desconhecido são, muitas vezes, os poucos pontos de luz muito bem desenhados pelos corredores do sítio (uma fábrica desativada) que conseguíamos, por ora, ver através da venda negra sobre os olhos. Para além da luz, acredito realmente que a força estética está tatuada no modo de orientar e perceber com estes “outros olhos” uma cena teatral. Cena esta guiada também por vozes nervosas, apertões, sons, sussurros, canos de armamentos, cheiros desagradáveis. Vale também destacar a qualidade poética que é atingida através da direção musical assinada por Daniel Vargas, que ora nos angustia ainda mais e ora nos alivia de uma dor física e moral. Todos estes recursos são medidos com maestria pelo “regente” deste espetáculo teatral. Sem dúvidas o trabalho de direção exercido por Marcelo Costa assume uma maturidade estética que sabe dosar nossa sensibilidade em prol de um ideal artístico e social.
Aos expectadores que conseguiam literalmente ver ficavam as imagens do horror que estavam impregnados nos atores e nas reações dos outros participantes. Inscrição sobressaída por uma arrebatadora caracterização. Comungando, então, àquele espaço em ruínas, o figurino de macacões negros e industriais agia uniformizando a gangue e indeferindo os sexos entre os atores, já a maquiagem, ainda que exageradamente expressiva, amedronta aqueles que assistem essa encenação-sequestro.
Nesta vertiginosa montagem, prevalece então, a constante reação e comentários à condição humana. Indo de encontro com a proposta pela estética da dor que vem sendo desenvolvida pelo Grupo Ossanha a (encen)ação tem atingido, através do trabalho artístico do corpo de atores, uma cumplicidade entre ator e espectador estabelecendo também uma cumplicidade entre assaltante e assaltado, seqüestrador e seqüestrado. O seqüestro aqui relatado começa pela nossa visão e termina na nossa voz, no fôlego e, sobretudo, dos valores humanos que os problemas sociais dos grandes centros urbanos nos roubam cotidianamente. Ao término deste espetáculo nós resta a dúvida do preço do resgate deste mundo que vivemos e a ânsia de passar de espectadores a cúmplices, e de cúmplices à testemunhas que “vão para o olho da rua” e versam todo o acontecido e transformado neste cárcere voluntário.
***
Comecei a acompanhar as atividades do Grupo Ossanha quando dava aulas de Interpretação e
Direção na Universidade Federal de Ouro Preto. O que me impressiona no grupo é sua
capacidade de definir a pesquisa que organiza com os atores em função de uma efetividade da
expressão teatral. Cada projeto exige nova formulação de exercícios e práticas que sempre
responderam adequadamente - basta conhecer o vigor da linguagem de seus espetáculos.
Trata-se de um dos nossos raríssimos grupos de pesquisa que empolgam os espectadores pela
criatividade, beleza e competância do resultado. Sou admirador entusiasta de seu trabalho.
Paulo César Bicalho - Professor, diretor, autor de teatro e cinema.
Um monstro chamado lugar

de Marcelo Costa
Êh malandro, vai. Vai, malandro, arregaça minha janela, invade os meus cômodos. Vai,
malandro. Revira a minha geladeira, vasculha minhas gavetas. Rouba os meus livros,
minha história. Vai. Me livre dessa agonia, malandro. Caga na minha cozinha. Vai, vai.
Fuma do meu cigarro, bebe da minha bebida, malandro. Abusa da minha mulher. Vai, e
manche minhas paredes, alimente-se das minhas lembranças. Alimente-se daquilo que
você não tem. Me tranca no banheiro, malandro. Quebre a minha louça. Rasgue as
cortinas. Vai, vai, malandro. Me invade por dentro. Por inteiro. Vai. Pule o muro,
malandro, cuidado com o carro, o cachorro, malandro! Vai.
Admita que não consegue viver sem mim. Roube mais, roube, amanhã eu faço o BO e
finjo que está tudo bem. Eu tenho memória curta. Me machuque, ria da minha expressão
de assustado, do meu coração acelerado, do meu choro engasgado. Êh malandro...
...volte quando quiser, eu estarei aqui esperando. Vou fazer até um café. Vai, vai, volte
para sua família, se a tem. Me livre dessa agonia. Vai, malandro, pois sua vida está em
constante perigo. Se esconde, corre, e admita que é você o maior dos antropófagos. Vai,
vai, corre, arme voo, malandro, vigia a cidade Sua. “A realidade é um balde de água
fria.” Não olhe para trás. Vai. Vai. Porque ninguém viu nada, na noite todos os gatos
são pardos. Eles estão dormindo. Ninguém viu. Ninguém vê.
"Alguém viu alguma coisa? Alguém viu alguma coisa? Não, ninguém viu nada. Se
viram, é melhor fingirem que não. Ninguém vê. Não dá pra viver vendo tudo. Quem vê
demais, morre. Quem é cego demais, morre. Quem vê, faz que não vê. E a vida segue.
Cegue a vida. Não é conselho; é narrativa. Cegue a vida que ela não pára. Surra,
machadada, tiro, facada, violência doméstica, prostituição infantil, trabalho escravo, pai
comendo filho, irmão violentando irmã, pedofilia, estupro, aborto, roubo, assassinato,
sequestro, corrupção, miséria, fome; essa merda acontece todo dia. Não é roleta russa,
não. O nosso país é feito disso. Quem não tem cerca elétrica no muro sabe bem do que
falo. Quem não tem carro blindado, sabe o que é tiro na testa. Está aqui, do meu lado;
no vizinho; o tempo todo. É só fechar os olhos um pouco e seguir em frente. Fingir que
não viu. É o que não deve ser visto." A vida fica mais fácil. Bem mais fácil. Bem mais
fácil. Nosso país está assim porque a gente faz isso dele. A gente tem aquilo que a gente
merece. Não é maravilhoso?
Voz: Marcelo Costa você está preso por calúnia e difamação. O prédio está cercado.
Entregue-se e solte os seus reféns. Saia com as mãos na cabeça.
Marcelo Costa: Qual é o meu lugar? Qual é o meu lugar? Me explique, me aconselhe.
Qual é o meu lugar? O meu grito rito vai reverberar até as estrelas, o meu grito rito vai
reverberar até o além dos aléns. Marginal ganha é no berro! Vão, vão embora, voltem
para os seus cobertores quentes, para a sua cama limpa, para sua casa arejada. Vão
embora, vão embora!
***
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
O olho da rua - Grupo Ossanha
Na foto Giselle Bianca (Assistente de direção do Grupo Ossanha)
O Olho da Rua – por Ana Camila e Grupo Ossanha
SINOPSE
Que tal fazer uma viagem de 7km?
Um homem que mistura o relato do desespero de um assalto com um relacionamento
fracassado, outro que sai à noite pra procurar estrelas e é abordado na rua comviolência, uma criança estuprada por um homem anos mais velho, uma senhora com medo de ser expulsa do lixão onde vive, uma mãe que tenta se livrar do seu bebê a qualquer custo, enquanto um pai dá um jeito de se livrar da esposa e da filha. Esse arsenal de experiências da violência e do caos compõe o espetáculo O Olho da Rua, do Grupo Ossanha, que reúne contos de Marcelino Freire, Marcelo Costa, Mathers Bass, Moacir Prudêncio e William Neimar.
RELEASE
Qual o preço do resgate?
O Olho da Rua aborda a questão do esfacelamento social, a partir dos abandonos íntimos, criando transformações permanentes vindas do caos. As personagens são marginais, vetores que se direcionam para as mazelas da sociedade atual. O espetáculo simula o sequestro do público (restrito a cerca de sete pessoas), que é levado a um outro espaço e intimado a enxergar bem de perto aquilo que em geral se recusa a ver.
O espetáculo apresenta contos que constroem versões de violências e da marginalidade a partir de experiências as mais diversas e, por que não dizer, comuns nos espaços urbanos, a fim de provocar o olhar e os sentidos do público. Vendados durante toda a apresentação, os espectadores se aproximam de personagens que contam suas histórias de assaltos, acosso, humilhação e medo, além de outros que, em sua própria miséria, expõem uma faceta tanto realista como comovente. O público é levado pra dentro deste mundo e convidado a confrontar seus próprios medos e angústias, e questionar seu lugar no mundo.
De acordo com as premissas do Teatro Documentário, na natureza concebida pelo Grupo Ossanha, O Olho da Rua oferece ao seu público uma aproximação com a experiência real de um sequestro, experiência real da violência, estimulando-o sensorialmente e colocando-o diante de novas perspectivas sobre temas muitas vezes tratados de modo distante e alheio.
O Grupo Ossanha foi criado na Universidade Federal de Ouro Preto e há cerca de três anos vem desenvolvendo um trabalho com o teatro experimental, buscando as interfaces e a interação entre as artes.
Os temas abordados pelo grupo são os por ele considerados urgentes e necessários, focando a classe marginalizada, a banalização da violência, da fome, da miséria e o fim da utopia. O grupo de acadêmicos e formados dos cursos de Artes Cênicas e Música se mantém em atividade com os espetáculos Medéia de Bandido e O Olho da Rua no ano de 2010, parte da trilogia A Estética da Dor, desenvolvida e praticada pelo grupo desde 2007.
Adramaturgia do espetáculo O Olho da Rua reúne contos de vários escritores: Marcelino Freire, Marcelo Costa, Mathers Bass, Moacir Prudêncio e William Neimar. A duração é de aproximadamente 90 minutos e a censura é de 18 anos.
sábado, 18 de abril de 2009
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Sr. Costa
- Marcelo Costa
- Belo Horizonte, MG, Brazil
- Marcelo de Paüla Costa, formado em Artes Cênicas com habilitação em direção teatral pela Universidade Federal de Ouro Preto e possui experiência no cinema crítico pela Universidade Federal de Santa Catarina. É ator, diretor e crítico de cinema.
















De imediato uma advertência: trata-se da busca de uma arte pura, distanciada do ranço da arte de representar do teatro e da escrita da literatura. É lançando o manifesto logo nos créditos do filme “O homem com uma câmera” de Dziga Vertov. Suas idéias chegam sem pedir licença, sem bater na pele, rasgam as formas e reivindicam lugares. Para podermos melhor compreender as inquietações de Dziga Vertov e sua maneira de pensar cinema vamos permear o envolvimento dele com o cinema verdade – busca incansável pela verdade do cinema – é talvez uma tentativa de mostrar planos e situações que o olho humano não possa perceber, tal qual vemos em uma seqüência do filme o atravessar de uma locomotiva sobre os trilhos. Fantástico!
Já a proposta de não utilizar atores nos leva a pensar sobre. A presença de uma câmera faz com que modifiquemos nossa maneira de portar, ou seja, qualquer pessoa enquadrada por uma câmera quer queira ou não pode ser considerada um “ator”. Nós estamos sempre representando para a câmera, mas por outro lado, penso na época (URSS 1929) e cogito a possibilidade das pessoas registradas pelo olho da câmera de Vertov, se querem imaginavam do que se tratava aquele acontecimento.
Com o “correr” do filme: susto! Ritmo extracotidiano, contraste entre cenas, movimentos de engrenagem, formas circulares, mecanismos, multidões, justaposições de cenas, improvisos, aproximação das idéias futuristas, tecnologia, construtivismo e música. Pensei:
- Revolucionário e de beleza singular.
“O artista nos permite olhar para o mundo mediante aos seus olhos. Que ele possua tais olhos a desvelar-lhe o essencial das coisas, independentemente de suas relações, eis aí precisamente o dom do gênio, o que lhe é inato”. (Schopenhauer)
O filme apresenta uma mescla de olhares, a câmera é um grande olho que enxerga tudo. Além de mostrar cenas corriqueiras do dia a dia, no qual aproxima estilo documentário, Vertov desmistifica a sétima arte abrindo o processo de filmagem e construção – acredito que ele fará isso em todas as obras de sua autoria. É um filme dentro de um filme (metalingüístico) e também um acontecimento dentro de outro acontecimento. Percorremos os bastidores, vemos o homem filmando arriscando-se em torres para alcançar o melhor ângulo e uma mulher em processo de colagem que corta e emendam as películas, tudo é mostrado. Nada escapa ao olho que tudo vê.
Acredito que o básico no cinema é movimento e ritmo, vejo que Vertov possui uma percepção apurada e cuidadosa para com eles. Assistir “O homem com uma câmera” é como ouvíssemos uma sinfonia ou lermos um poema onde temos imagens sobrepostas em um ritmo. O filme não tem a pretensão de contar uma estória ao espectador, mesmo porque essa não seria a verdade do cinema segundo Vertov.
Dziga Vertov rege em seu filme movimentos rápidos e lentos, modificando nossa percepção para com que é mostrado. A música acompanha tudo, ela comunga é una as imagens e não há com desassociar uma da outra.
Notamos que a música possui aspecto tanto clássico com experimental, sons gravados tais como a sintonia de um rádio, ruído de um portão, som da caixinha de música, choro de criança, sirene, melodias feita a partir de instrumentos alternativos (barras de ferro, sons de latas), instrumentos convencionais, vozes e sons de fábrica. Analisando algumas frases da música notamos um contemplamento pela máquina, todos os ruídos tem um sentido e são ritmados como um trabalho em série. Penso que às vezes a música do filme de Vertov é uma espécie de respiração, possuindo aspectos de calma e tenção. Lembra poesia mas, lembra música mas, lembra respiração mas...
1. Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação.